sábado, abril 14, 2007

A Fonte e a Flor

Na última quinta-feira, tive a oportunidade de assistir a uma solenidade no salão nobre na Faculdade de Direito e presenciar a cerimônia de posse do escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão. Sim. Formalmente é assim que falo dele. Mas, cá pra nós, o Ignácio é aquele cronista meio mal-humorado de sexta-feira do Caderno 2; mais um cidadão "joãomourense" (morador da rua joão moura, onde mora dona palavra cantada também); amigo do meu amigo Ivan da CPL (padaria predileta); o araraquarense que gosta de andar a pé pelas ruas de pinheiros e escrever sobre seus moradores; adorador de cadernos e mulheres. Sim, ele adora as mulheres! E os cadernos!

Fomos eu e minha amiga Lili, aqui da escola, musa inspiradora do Ignácio em uma de suas crônicas, no ano passado, da qual também tive uma participação que, embora pequena, foi gentil. Lá chegando, ficamos juntas deslumbradas com o assuntoso salão nobre, sua arquitetura majestosa de antigamente e alguns imortais da academia presentes que mais pareciam fazer parte da decoração do lugar: pesado, formal e antigo. Mas o Ignácio estava lá, assumindo a cadeira 37 e discursando toda aquela sua prosa de interior, de jornalista, de poeta e de cronista, acima de tudo. Ele disse veêmente: quer ser perpetuado como cronista!!!

Fez graça ao contar alguns causos do cotidiano, donde tira suas crônicas, e dei muita risada. Todos riram, aplaudiram-no e a noite foi marcada por uma posse simpática. Ao final, quando fomos cumprimentá-lo, nos perguntou:

- Foi muito chato meu discurso?

Não, respondi. Mas, confesso que não sou parâmetro. Quem responde é uma ‘criança-velha’, como bem dizem meus três irmãos. O fato é que emocionei-me quando ele citou uma poesia que a tia Margarida (tia dele da infância) recitava sempre: “A fonte e a flor”, de Vicente Carvalho. É a mesma poesia que está desenhada no diário da minha avó com uma letra que não é dela, mas que me acompanhou por toda minha meninice feita de parnasianos.

"Deixa-me, fonte". Dizia, a flor!

É engraçado como estava no meio de tantas pessoas mais velhas, mas sentia-me a vontade e não encabulada. Uma coleção de barbas brancas desfilava e todos se conheciam, se cumprimentavam e prestavam atenção nas únicas meninas-moças que por lá estavam: nós duas. Lógico que não fui boba nem nada. O recreio da faculdade, ali bem ao lado, estava bem interessante e apetitoso. Até porque, para certas coisas da vida, prefiro as novidades, as barbas pretas...

Mas voltando ao discurso do cronista empossado ontem na APL, quando ele explicou sobre a crônica, quando ela nasce do cotidiano, entendi tudo, embora já soubesse de alguma forma.

No dia seguinte, pela manhã, a Betinha, amiga queridíssima, ligou pra mim. E perguntou:

- E aí, Mô. Tá namorando?

E eu disse que não. Que a vida tá difícil. Então, Betinha, com sua sabedoria autêntica de pernambucana que ela tem, disse:

- Cuidado, "Moinquinha", enferruja, não sabe, não?

Comentei com ela da solenidade que fui (da posse) e que o prefeito foi anunciado, durante a cerimônia, como o homem que está limpando São Paulo. E então disse à Betinha que da limpeza estou até a favor, mas de impedir que os feirantes gritem nas feiras de rua, sou totalmente contra. E então, Betinha disse:

- "Moinquinha", proibir feirante de gritar na rua é como proibir jogador de futebol de comemorar o gol.

Betinha é uma mulher que sabe o que fala. Betinha veio de Carpina pra cá, começou na faxina num estúdio de música e hoje é a maior vendedora de "palavras-cantadas". Betinha é corinthiana rôxa e se apaixonou pelas poesias de Arnaldo, pela voz da Salmaso e pela irreverência do Rumo.

Falando nisso, quando ao caminhar em direção do Lgo. São Francisco, passei diante da ladeira da memória e cantei junto, e tomei conta que estou voltando ao rumo das minhas idéias. Que há momentos que a gente se perde na gente mesmo, mas a gente volta. Como neste texto que comecei, andei, dei volta e cá estou com ele, onde tudo começou: na posse. O mundo é uma bola, recheada de histórias, de caminhos que se convergem, que se escrevem, que se contam. O mundo é cheio de link, uma coisa levando a outra, num cabimento incrível. E no meu mundo, eu sei que os sonhos estão voltando, renascendo, crescendo, brotando novamente. E ainda que minha boca se encontre dormente, alguém diz pra mim, calma que o beijo já vem já, como os versos dizem numa canção de ninar. E fico aqui a acalentar o encanto da vida recomeçar. E haja beijos, ah!, quantos beijos para me empossar.
"Deixa-me, fonte!"
Dizia A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar".
E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.
"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!...
Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.
"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr do sol;
"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!...
"As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...
Vicente de Carvalho

4 Comments:

Blogger Carolina said...

Querida, adorei essa poesia! E adorei essa solenidade! rss.
largo São Francisco é uma coisa... estou lá duas vezes por semana e sempre são dias nostalgicos, com suas escadas de marmore e seus arcos... adoro esses textos que se perdem e retornam! Mto bom! Beijo

2:02 AM  
Anonymous Anônimo said...

"Moinquinha" é muito bom!!! Você já leu "Preconceito linguístico"? Lá o cara fala que uma troca dessas é muito sofisticada, uma puta sabedoria popular.

Bem, quanto ao texto... Vou me segurar e não vou falar bem dele dessa vez.

\o/

:)

1:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

Estava navegando pela internet, e me deparei com este "poeta do mar", da tia Margarida, me fez voltar a ser criança, e isto é muito bom; mas com relação a Betinha, "moinquinha", e etc, é muito bom que exista, os "poetas da feira", bjs, abraços assin. poeta da internet

10:20 AM  
Anonymous marlise said...

Este é um poema da minha infância. Lembro-me dele até hoje, salvo alguns versos que agora estou relembrando. Decorei até a página em que estava. Se não me falha a memória, era 48. É maravilhoso re cordá-lo.

4:23 PM  

Postar um comentário

<< Home