segunda-feira, outubro 30, 2006

Minha primeira eleição

Em 89, lá em casa, era todo mundo AFIF. Lembro até hoje do jingle: “Dois patinhos na lagoa, vote Afif 22”. Aliás, uma coisa que criança presta atenção em eleição é nas canções das campanhas do candidato. Eu tinha apenas oito para nove anos e adorava a canção do PMDB, cujo candidato era o Ulisses Guimarães: “Bote fé no velhinho, que o velhinho é demais. Bote fé no velhinho que ele sabe o que faz. Vai levar o Brasil do oiapoque a chuí e acabar com a molecagem que tem por aí”. O do Lula era aquele lance da estrela: “Lulalá, brilha uma estrela”. O do Brizola tinha uma parte que dizia assim: “um voto no brizola, só pode nos trazer, um tempo bem melhor pra se viver”. E tinha ainda o Maluf, o Covas, o Collor, o Caiado, o Roberto Freire...

Nossa, como lembro bem daquelas eleições. Fiz até boca-de-urna contra o Lula. No segundo turno toda a nossa turma da rua pintou a cara de verde-e-amarelo e fomos pra pracinha agitar as bandeiras do collor que havíamos ganhado de presente. Era uma brincadeira diferente, uma agitação, uma coletividade... Era como torcer para um time de futebol. E eu torcia para o mesmo time que meus pais, meus irmãos, meus vizinhos e meus amigos da escola.

Naquele dia... No outro lado da praça apareceram duas pessoas do outro time, ops!, ou melhor de um outro partido, do candidato perdedor. Vinham carregando bandeiras enormes e bem vermelhas. Mas eram só duas pessoas: um tiozinho barbudo e um garoto. A gente se divertiu tendo inimigos a nossa frente. Fazíamos o V de vitória e eles lá, solitários, mas tão resignados. Até que houve um momento que eu os reconheci. Era meu tio Omar e meu primo André. Eles moravam em Parelheiros, mas votavam no mesmo colégio que os meus pais, ali na Chácara Sto Antônio. Tinham o costume de almoçar em casa neste dia, quando eu mesma organizava uma eleição de mentirinha para as crianças: eu, meus irmãos e meus primos. Meu pai dizia que este meu tio era comunista. Ele vivia numa Cohab, um conjunto habitacional, e tinha quatro filhos, assim como meu pai. Mas este meu tio não era tão inteligente como o meu pai e não subiu na vida, refletia eu e mim mesma. Eles moravam tão longe, meus primos estudavam em colégios públicos e não tinham carro. Meu tio era sindicalista e desde aquela época já pensava em desigualdade social, ensinava isso a seus filhos, coisa que eu fui descobrir só depois de grande.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Mônica, mas que texto maravilhoso!!!! Caraca!!! Como você se lembra desta eleição, se é mais nova do que eu?

Eu me lembro bem até hoje, inclusive das músicas. Eu estava na quinta série e já discutia, da maneira infantil, política com a minha professora de História. Eu gostava do Caiado, porque ele, como galã, convencia (ah, se eu já soubesse o que era bancada ruralista). Achava o Brizola meio fanfarrão, achava que se o velhinho ganhasse ele não teria tempo de governar porque morreria logo.

Sabe, parece que não, mas as crianças hoje voltaram a falar sobre política, como naqueles tempos (ainda que reproduzam o que os pais digam em casa - mas, até aí, tudo bem, porque a política ficará marcada para elas, como ficou para nós, um referência para se situar no tempo histórico).

Legal né?

A sua história com seu tio é tão linda que me lembra as coisas que o escritor Jonathan Coe escreve, principalmente no livro "Bem vindo ao clube", sobre quando o neoliberalismo veio para acabar com a Inglaterra.

4:40 PM  
Anonymous Anônimo said...

Mô, texto muito bom mesmo! Lembro que foi a primeira vez que votei no Lula, fiz o X para minha mãe...
e como voc6e, só fui pensar nessas coisas depois de grande, aliás, depois de bem grande...

Bjo prima

11:52 PM  

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