Identidade
Neste mês de maio, aqui na escola, é desenvolvido um projeto que se chama: “identidade”. São os alunos do 6º ano (5ª série) que resgatam a história da família e produzem um álbum com registros, fotografias, cartas, histórias. Para o fechamento do projeto, realiza-se um encontro com os avós dos alunos, na escola, num chá com quitutes típicos do país de origem ou de descendência, com direito a depoimentos engraçados, dramáticos e emocionantes. Também há uma exposição das relíquias da família, objetos trazidos pelos alunos. E engana-se quem pensa que tratam-se de jóias ou objetos de valor financeiro. Muitas vezes são panelas, tábua de madeira, fivela de cabelo, caixinhas, relógios antigos que já não funcionam mais, todos, sim, muito valorosos sentimentalmente falando.
Eu sei que os alunos se divertem muito e os avós mais ainda. Eles contam, recontam suas histórias de imigrantes. É tudo muito vivo! Histórias de gerações se entrelaçam numa manhã regada com carinho e chá. É um raro momento onde as crianças param para escutar os mais velhos, sem nenhum tipo de recurso tecnológico para prender-lhes atenção, onde são relatadas histórias de expulsão, de fuga de guerra, de vidas marcadas pelo trabalho ou de uma avó que é surda, mas aprendeu a ler os lábios como ninguém faz e fala mais que todo mundo.
Assistindo a estas demonstrações ontem, lembrei-me dos meus avós. Embora eles estejam presentes nas fotografias coladas no mural, no quadro de flor pendurado no meu quarto, ou no diário pintado bem guardado na gaveta, os três avós que fizeram parte da minha vida e da minha história e que já se foram, estão bem vivos dentro de mim. Por hora fiquei imaginando a minha avó paterna contando alguma agrura da vida dela, como quando ela leu uma poesia para o Presidente Wenceslau Brás na sua infância. Já meus avós maternos, acho que meu avô, principalmente, iria contar várias histórias, pois ele era um contador-inventor de histórias das mais prosaicas e interessantes. Ele contaria certamente a história dos Calmon pelo Brasil.
Quando tiver meus filhos, quero muito que meus pais estejam bem vivos. Tudo bem que meu pai é um despótico e que é a favor do Serra mandar a polícia bater nos estudantes da USP. Tudo bem que ele sai do estádio antes do jogo acabar. Tudo bem que ele é ranzinza e preconceituoso. E um chato de marca maior. Mas tem lá seus encantos. Encantou a minha mãe um dia, na sua juventude, com seu gorrinho infalível. Encantou seus filhos muitas vezes, com seus planos de acampar, brincar e sua mania bélica de ser um atirador com tudo que é arma.
Já a minha mãe, o que posso dizer dela... Que é uma adolescente. Lá em casa, ultimamente, os papéis estão meio invertidos. Eu sou a mãe, e a minha mãe é a filha. Mas ela é MARAVILHOSA e tenho certeza que será uma avó sem igual. Que vai comprar lápis e cadernos. Que vai cantar umas canções de ninar. Que vai fazer bolo e levá-los para passear. E que vai dar todas as proibições escondidas, pois esta é a marca da minha mãe: é proibido proibir.
1 Comments:
Ai, querida, que lindo. Nesse fds mesmo meu avô, do alto dos seus 93 anos, se pôs a contar sobre a viagem de navio dele, saindo de Trieste rumo ao Brasil, quando era um garotinho de 6 anos. Lembrou até dos golfinhos que vinham comer no casco do navio a comida que os marinheiros jogavam. Ele não ouve bem e já dá lá suas escorregadas na memória (e no verbo), mas me emocionou com suas lembranças nesse domingo. Essas coisas assim são muito preciosas.
Uma vez, no meu grupo de voluntariado, eu quis fazer um projeto parecido com esse que vc descreveu. Pena que não foi pra frente... a gente não sabe, muitas vezes, os tesouros escondidos debaixo dos nossos narizes.
Beijão!
Juju
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