Crônicas da Cidade
Acordo com barulho de motor rangendo raivoso, acompanhado por um conversê danado ao pé da minha janela e, claro, um cheirinho de cigarro fedido. De segunda a sábado, às 7h em ponto, incia-se minha rotina matinal. Luto com os travesseiros. Coloco-os sobre meus ouvidos para não ouvir, nem sentir todos esses estímulos, mas é em vão... Um prédio vem sendo erguido atrás de casa faz uns meses. As estacas já foram batidas. As árvores cortadas ou mudadas de lugar. As casinhas de vila demolidas. A fase atual é um monte de caminhão entrando e saindo sem parar despejando terra, cimento e sei lá mais o quê. Confesso, tô cansada de barulho, de cheiro de diesel, de atolar meu único par de tênis no cimento quando chego em casa para abrir o portão, pois há muito a minha calçada sumiu.
Meu lado ranzinza está aflorado diante deste quadro de concreto de construção. Antes, abria minha janela e tinha vista para um pomar com casinhas de vila alaranjadas. Hoje, nem abro mais. Pelas frestas, enxergo uma espécie de serra pelada "paulista".
Gosto e desgosto de São Paulo com a mesma intensidade. Abomino esta ambição que a cidade tem em ser vertical, acelerada e cinza. Adoro silêncio. E por aqui os carros de pamonhas, as betoneiras e os shows de pagode na rua me poluem. Desde que as vizinhas Dona Amoreira e Dona Jabuticabeira saíram de perto, não ouço mais nenhum pio de pássaro algum. Sinto falta. Desagrada sentir o chão tremer quando o buzão vai-e-vem na rua. Quase não tem estrelas neste céu de congestionamento de avião. Os tatu-bolinhas se foram da escada e as borboletas se aposentaram por aqui.
Mas diante deste caos todo, há uma poesia que só São Paulo tem. Uma cumplicidade das luzes, dos túneis, dos olhares solitários mesmo com tanta gente disputando o mesmo lugar. Até as filas tem sua poética própria. Vá ao Auditório Ibirapuera e lá as pessoas fazem fila em formato caracol, seguindo o movimento da rampa de acesso ao Teatro. Bela coreografia!
Desvairada, sim, a paulicéia é minha, é sua, é do mundo!
PS - Convite aos interessados. Em comemoração ao aniversário de 455 da nossa cidade de São Paulo, o Sesc Ipiranga promove um encontro entre cinema e literatura a partir de quarta-feira. A programação reúne a exibição de um filme em 35mm sobre a cidade (clique no flyer e confira) e, após a sessão, um bate-papo com um determinado escritor. Venha debater o lado poético, desvairado, periférico e esotérico da cidade que é a nossa São Paulo com Ivana de Arruda Leite + Via Láctea (21), Ferrez + Os 12 Trabalhos (22) e Luiz Ruffato + Signo da Cidade (23).
1 Comments:
Ai, que vontade de abraçar essa cidade de vez, sem porém nenhum no meio do caminho! :)
Até borboletas vejo por aí de vez em quando... e calma, amiga minha, que ainda tiramos a barriga da miséria!
Beijos semi-exilados ;)
Juju
Postar um comentário
<< Home